À primeira vista, parece uma ótima oportunidade para ganhar uma grana sem fazer muito. Isso é o que o programa sempre fala. Afinal, os apresentadores sempre bradam que não estão exigindo loucuras, né? Mas a realidade é bem diferente do que aparece na tela.
A saga do telespectador começa com a ligação, ele tem que participar de um demorado jogo de verdadeiro ou falso. O objetivo é pontuar o máximo para só aí poder falar ao vivo. E se você acha que a conta de telefone vai ficar cara com tanto tempo na linha, tenha certeza disso. Já que eles sempre usam o serviço 091, cujo minuto é muito mais caro que uma ligação normal (e o programa sempre fala que é o custo de uma ligação para celular em alguma cidade aleatória).
A pessoa fala ao vivo e acerta a tal palavra embaralhada. Mas não acabou por aí. Ele ainda tem que chutar uma sequência de números e/ou letras para só aí poder ganhar o grande prêmio com muitos zeros Fazendo as vezes de uma loteria federal mais ordinária. O próprio programa entoa não ser um programa que precisa da sorte do telespectador, porém funciona como um jogo de azar dos mais previsíveis.
É assim que funciona os CallTVs premiados, apelidados no Brasil de "caça-níqueis" justamente pela sua proposta, fazer o público ficar o máximo possível de tempo na linha. Aqui, não faltam críticas e rejeição. Em sites da internet e redes sociais, reclamações pipocam acusando esses tipos de programa de fraude. Mas mesmo assim eles ainda existem, e atualmente estão ganhando cada vez mais espaço.
A Band atualmente exibe o "Game Phone" da EsoTV, que domina as tardes de segunda a sexta, e ainda derruba os índices do horário, marcando 1 ponto no máximo. Já a RedeTV! exibe o "Master Game" da Avatar Tecnologia, exibido após o A Tarde é Sua. Marcando décimos, derrubando a boa audiência conquistada por Sônia Abrão. E nas madrugadas do fim de semana, exibe o "Desafio Premiado" da G2P.
Nomes diferentes, produtoras diferentes, mas o estilo é descaradamente o mesmo. Há pouco ou quase nada que se diferencie um do outro. Apresentadores animados se utilizam da persuasão máxima para fazer o público participar do jogo. Seja em um cenário pouco atraente ou em um efeito de chroma-key duvidoso. Conteúdo, simplesmente não há. São horas do apresentador fazendo o mesmo discurso diariamente (e é nisso que eu invejo esses profissionais, pois convenhamos, não é fácil fazer isso).
O teatrinho é nítido. O apresentador ou apresentadora faz o papel de "amigo" do participante, quer que ele ganhe. Mas como não pode dar nenhuma dica, fica apenas na motivação. Ele (ou ela) passa um longo tempo conversando com o diretor invisível. Ele, sempre o malvado, que dificulta a vitória do participante e se recusa a dar dicas para o tal desafio. Apresentador e diretor discutem por um longo tempo, vira uma novela. Tudo em meio a efeitos sonoros de risada, choro e apitos.
Do nada, a alegria para. A coisa fica séria. A motivação vira chantagem emocional. O apresentador fica revoltado por ninguém acertar o desafio ou pelo participante que desliga o telefone na cara deles. Nesse momento surgem frases do tipo "Você não está me ajudando, participante", "Eu estou pedindo alguma loucura?", "Você não está querendo mudar sua vida", que fazem o telespectador sentir-se culpado e não dar trela para o apresentador que ficou chateado por não dar vitória à ninguém.
Mas lógico, o apresentador nunca ficaria parado o tempo todo lá. Há os intervalos (a desculpa é que ele vai lá falar com o diretor pra dar uma dica), e enquanto isso, uma música épica toca enquanto a câmera foca no cenário com o desafio estático na tela. O apresentador volta, e tudo continua. Vem as ligações, e a parte mais bizarra de todo o show. A palavra embaralhada está nítida para quem quiser ver. Um leigo poderia adivinhar aquilo. Mas os que ligam ou erram a palavra (repetindo as mesmas) ou dizem que não sabem (mesmo tendo passado um bom tempo no telefone, aparentemente). O que torna toda e qualquer procedência, extremamente duvidosa.
Esse tipo de programa já é conhecido do público. Muitos podem nem saber, mas esse formato já está impregnado na televisão brasileira há mais de 10 anos. Os CallTVs surgiram na Europa e se espalharam pelo mundo. Até hoje vários países exibem como Portugal, Argentina e México.
No Brasil, tudo começou em 2004 com o histórico Insomnia, exibido nas madrugadas da RedeTV!. Porém, no programa apresentado por Jackeline Petkovic e Gabriele Serafim ao menos divertia. O quarteto interagia, brincava e improvisava. O programa também exibia animações entre os desafios. Trazia entretenimento, ao contrário dos que vieram anos depois, calcado unicamente no suspense barato.
Insomnia terminou em 2007, e a partir daí outros foram lançados. Dentre os mais conhecidos estão o "Hyper QI", "Quiz TV" e "A Chance". Todos controversos e de extrema rejeição, mas eles permaneceram. Tanto que entre 2010 e 2011, houve o auge. As emissoras menores entupiam suas grades com as famigeradas atrações. Seja levando "Quiz" ou "Game" no nome, ou com cenários diferentes.
Após isso, ficaram fadados a emissoras pequenas, quase irrelevantes aos olhos do telespectador. Até a crise atingir a televisão, e eles voltarem com tudo aos canais maiores. Foram várias as vezes em que a justiça mandou tirar do ar esses programas, mas passam alguns meses e eles retornam, e com o mesmo discurso que nunca muda.
O único ponto positivo disso tudo talvez, seja a revelação de novos apresentadores. De vez em quando, nomes bons surgem como Gabriele Serafim, Sabrina Petrarca, Roger Furlan, Caio Diniz, Celeste Zeminian, entre outros. Mas antes mesmo que eles possam ganhar oportunidades nas emissoras, acabam se queimando.
Tudo isso só reforça um triste fato. As emissoras de TV aberta atualmente se tornaram verdadeiras locadoras de horário. A produção própria e geração de empregos estão morrendo aos poucos. Com o pretexto da crise, os donos preferem garantir a renda da maneira mais fácil, desrespeitando os telespectador, vendendo os horários de seus canais livremente e lavando as mãos em relação à qualquer responsabilidade. Emissoras como Rede21, Ideal TV e RBI por exemplo, simplesmente subvivem na tela.
E quanto às autoridades, elas não fazem nada. Mesmo sendo proibido por lei e se tratando de concessões públicas. Para eles, não vale a pena.
Enquanto isso, os "caça-níqueis" vão continuar, e não esperem qualquer intervenção. Os idealizadores continuarão a enfiar goela abaixo os velhos discursos de persuasão em meio a um show amador com apresentadores e equipe sendo forçados a levar todo o circo adiante. E o pobre telespectador mais leigo e ingênuo continuará caindo nas repetitivas promessas.
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