Fazendo uma análise geral, a trama foi basicamente à prova de erros. Trazendo situações amorosas clichês regadas com um humor rasgado quase pastelão. Algo que sempre dá certo no horário, e com "Haja Coração" não foi diferente. Que nunca fez questão de trazer algo diferente, apenas de entreter. Desde "Alto Astral" em 2014 que o horário tem sido reservado para tramas simples, calcadas no romance e no humor, e tem colhido bons resultados. O horário se revitalizou após um período de novelas pretensiosas que fracassaram na audiência.
É inegável que fazer um remake na TV brasileira é sempre um desafio. Além de correr o risco de ficar datado, é praticamente impossível de evitar qualquer comparação com a obra original, e da rejeição por parte daqueles que se mantém fiéis às memórias da primeira versão. "Haja" foi bem ao modernizar a trama e fazer mudanças na estrutura original de "Sassaricando".
Porém, havia um certo receio quanto à isso. Em "Sassaricando", a história de Aparício (Paulo Autran) era a principal da história, enquanto Tancinha (Claudia Raia) era a simples coadjuvande que roubou a cena na novela. Em "Haja Coração", Tancinha (Mariana Ximenes) foi a protagonista enquanto Aparício (Alexandre Borges) e a família Abdala ficou no núcleo cômico como coadjuvante. Ficou a dúvida se as aventuras amorosas da jovem feirantes seriam suficientes para aguentar o peso de uma história principal.
A "nova" Tancinha começou exagerada com seu sotaque italiano carregado. Isso foi justificado, mas mesmo assim passou o ar de algo datado. Porém, pouco a pouco, a personagem foi se desenvolvendo até de fato fazer jus ao posto de protagonista. E cabe salientar que Mariana Ximenes estava perfeita no papel, fazendo uma Tancinha com a própria identidade, sem qualquer comparação com a de Claudia Raia.
Assim como ocorreu com "Totalmente Demais", o triângulo amoroso entre Tancinha, Apolo (Malvino Salvador) e Beto (João Baldasserini) ganhou torcidas fervorosas nas redes sociais. Aponcinha e Betancinha. Porém, o triângulo que tinha um certo potencial, mostrou-se irregular sobretudo por Apolo. Um personagem íntegro e honesto, que moralmente era para quem deveríamos torcer. Porém, o caminhoneiro foi durante toda a novela um personagem irritante e grosseiro, cuja história própria era modorrenta e pouco atrativa. Carisma é a característica principal de um mocinho, e faltava isso em Malvino Salvador, cuja atuação limitada repetia as mesmas características já vistas em trabalhos anteriores.
Em contrapartida, Beto mostrou-se um personagem muito melhor desenvolvido. O publicitário metido que ficava dividido entre ser correto e fazer tudo para conseguir o que quer era um tipo que poderia facilmente cansar o público. Mas caiu nas graças por ser alguém divertido e com ótimas tiradas. Sendo defendido brilhantemente por João Baldasserini, que consolidou-se como uma das grandes promessas da teledramaturgia. Beto evoluiu, assim como fez Tancinha evoluir, fazendo com que as cenas dos dois fossem muito mais interessantes que as cenas "Aponcinha". Por isso, a torcida por "Betancinha" foi muito maior (e não acirrada como Daniel Ortiz entoava). Não só isso, Apolo conseguia ficar mais "suportável" formando par com Tamara (Cléo Pires), criando outra torcida: Apomara.
Mas no último capítulo, Tancinha ficou com Apolo (ao contrário de Sassaricando em que ela se casa com Beto). Final previsível e até esperado, se for analisar a maneira como o autor desenvolveu a história. Forçando uma vilania em Beto e um vitimismo em Apolo, o autor não disfarçou o favoritismo descarado ao personagem de Malvino. Deixando de lado qualquer preferência do público.
Erros e irregularidades também marcaram o núcleo dos Abdala. Teodora (Grace Gianoukas, sensacional) tornou-se a protagonista moral da trama em determinado momento, acabou morrendo. A perda foi sentida, o núcleo, antes promissor, tornou-se fraco e começou a andar em círculos. Tatá Werneck esteve bem como Fedora, melhorou sua dicção. Fedora fez um ótimo par com Leozinho (Gabriel Godoy, também ótimo), e apesar de suas histórias soarem bobas e irrelevantes, foi um casal divertido. Claudia Jimenez (Lucrécia) também estava ótima, mas pareceu pouco aproveitada. E Christina Pereita arrasou como Safira, remetendo à Fedora da primeira versão.
Outro núcleo que caiu nas graças do público foi o das três amigas Leonora (Ellen Roche), Penélope (Carolina Ferraz) e Rebeca (Malu Mader). "Leoneca" foi um divertido trio, mesmo andando em círculos em boa parte da trama. Ellen Roche teve ótimos momentos com a engraçada Leonora (com destaque para as hilárias cenas com Ana Paula Renault, que teve brilhante participação). Cabe destacar também o trabalho de Renata Augusto que brilhou como Dinalda.
Os casais formados também fizeram sucesso, como Berício (Rebeca e Aparício) e Penrique (Penélope e Henrique - Nando Rodrigues). O triângulo amoroso entre Giovanni (Jayme Matarazzo), Camila (Agatha Moreira) e Bruna (Fernanda Vasconcelos) também foi destaque. O público passou a torcer por Gimila, e Fernanda Vasconcelos teve um de seus melhores trabalhos de sua carreira com a vilã Bruna.
Porém, quem roubou de fato a cena foi o casal "Shirlipe". O romance entre a sofredora Shirley (Sabrina Petraglia) e o carismático Felipe (Marcos Pitombo) foi um verdadeiro "conto de fadas" e ganhou uma torcida quase unânime do público. Sabrina Petraglia tornou-se queridinha dos telespectadores, e Marco Pitombo tomou a melhor decisão ao voltar para a Globo. Pois jamais teria futuro na Record (correria o risco de fazer novelas bíblicas o resto de sua vida).
Shirlipe não só roubou a cena como também o protagonismo da novela. Tornaram-se o grande destaque quando as outras histórias já não prendiam mais a atenção de público. E vale ressaltar que essa história não fazia parte da original de Sassaricando. A Shirley originalmente foi uma personagem de "Torre de Babel". Assim como "Sassaricando", uma personagem coadjuvante teve mais destaque que os protagonistas. principais.
Também merece destacar Marisa Orth, que brilhou como Francesca. Um papel dramático, mostrando uma faceta pouco explorada da atriz. Chandelly Braz também foi competente como a vilã Carmela. Sua redenção após a mocinha insossa de "Geração Brasil". Já entre as atuações que deixaram muito a desejar, além de Malvino, está José Loreto. O ator viveu o mau-caráter e irrelevante Adônis. As caretas e o sotaque carioca mal disfarçado (a novela se passava em São Paulo) tornaram o personagem irritante e caricato. Uma versão mal feita do Darkson de "Avenida Brasil".
Haja Coração foi uma novela irregular, com erros visíveis. Porém deu certo ao apostar no clichê da comédia romântica. Por isso, esses erros não terão relevância para o público que acompanhou e amou a trama. Mesmo que Daniel Ortiz nitidamente fez uma trama pensando nos próprios gostos e vontades.
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